quinta-feira, 9 de abril de 2015

Diariabilidade

Alô, boa noite. Primeiro deixa eu ir buscar um aperitivo lá na geladeira. Pensando bem, não sei ser boêmia. Hoje cedo pensei que seria legal se eu cultivasse o hábito de escrever todo dia. Escrever qualquer coisa, apenas para praticar. Tenho já vários temas para desenvolver, digamos, lição de casa. Primeiro, quero resenhar o livro Estrutura das Revoluções Científicas, do Thomas Kuhn, para uma matéria. Também quero escrever sobre virgindade, criatividade, e o olhar de algumas pessoas, e esta frase foi bem mais uma agenda mental do que... o que bem estou escrevendo? Só escrevendo, lembre-se. Mais do que ser criativa e expressar seja lá o que eu gostaria de expressar, preciso adquirir linguagens. O que tenho escrito até aqui está carregado de sentimentos meus e neste instante meus olhos ardem daquele jeito de quando a pessoa está prestes a chorar mais não chora e isso é porque por mais que eu tenha dito o que queria, você não entendeu.
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Eu não sou uma pessoa inteira.
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Um texto pode ser uma resenha, uma carta, um ensaio, uma dissertação, um e-mail. Um texto de blog. Um texto de blog parece-me mais fácil, mais livre. E escrever a mão ou digitar me impõe intuições de estilo diferentes. Por exemplo, estou digitando como se estivesse conversando com alguém. (Uma conversa informal). É fácil escrever assim, mais me angustio em pensar que não estou escrevendo para nenhuma pessoa específica. Você pode ler e gostar, ou pode não fazer diferença. Não tenho exatamente medo da sua opinião sobre ele. O fato é que ninguém está ai. Eu estou sozinha.

Tem uma banda tocando no meu quarto. Eu não estudo mais música. Meu pulso direito dói. Minha garganta, minhas costas doem. Porque dói não ser nada e se esforçar para ser alguma coisa. De fato, sou uma esponja. A banda me invade, e é bom, eu quero. A vizinha canta e me invade, e é ruim. As pessoas falam ao mesmo tempo, e eu deixo me invadir as vezes, as vezes demais. Eu espero entrar nelas também. Posso introduzir um assunto. Posso reescrever, mas talvez não dê vontade. Vou explicar porque não gosto de estudar. Me faz sentir que não sou suficiente ainda. Sim, sempre há o que se estudar. Estou dizendo suficiente para simplesmente ter direito de existir e ser deixada em paz. Não era esse o assunto. Era 'o olhar de algumas pessoas'.

Não sei o que você chama de paixão. Das coisas terríveis do mundo, uma delas é que eu nunca vou realmente entender como você se sente. É um milagre, eu repito em todo lugar, que duas pessoas se encontrem e conversem, aparentemente, sobre o mesmo assunto. Estou rindo agora porque me lembrei de uma ocasião em que duas amigas conversavam comigo e minha mãe. Eu estava quieta e esperava uma oportunidade de falar. Não sei se não me deram a oportunidade ou se não a reinvindiquei. Eu era jovem. Ri de novo, pois sou jovem. Bem, observava, e eram dois monólogos alternados. Elas queriam falar, ouvir a si mesmas e era só isso. Eu me senti usada. (Mas foi só como me senti, não foi o que elas fizeram comigo).

Ah sim, a paixão. O olhar de paixão de algumas pessoas. Foi assim, há dois anos me apaixonei, do tipo de perder a fome (perdi três quilos numa semana). Altos e baixos, mais baixos que altos foram. Mas esse não é o problema aqui agora. A pergunta é: qual é o olhar de paixão? São vários, porque paixões são várias. Mas esse tem um poder cativante que eu proporei mais tarde. Deve ser bem específico, pois se não, me apaixonaria mais vezes. Deixa eu dar mais contexto. Quando estou interessada em alguém, em geral também estou por várias outras pessoas. Mas nem todas as vezes eu chamo de paixão. E há dois anos atrás aprendi que paixão não é intrinsecamente boa, aliás dói bastante. Mas eu não tinha me apaixonado antes? Fui pegar o sarampo depois de adulta? Não, mas o contexto estava mais complexo. Fui pega desprevenida numa friagem boa. (É sarampo ou resfriado?)

Me apaixonei de novo. Por que, com essa pessoa diferente, que não me machucou, sinto-me mal como da última vez? Hoje reparei numa coincidência na maneira como me interessei por eles. Eles me viram antes que eu os visse e se interessaram por mim. Me conheceram já com aquele olhar. Eu me senti amada sem ter que me esforçar por isso. Lembra qual foi a primeira vez que isso me aconteceu? Desculpe pela psicanálise, mas provavelmente foi naquela época remota em que era bebê. Tudo bem, isso é apenas uma hipótese. Vou registrá-la aqui pela utilidade posterior. Se eu decidir que não faz sentido, venho aqui retificar. Aprendi a palavra retificar no 1984. Eu quero uma mãe que não vá embora, e misteriosamente, ela é um homem. Nota: nunca me apaixonei dessa maneira por uma mulher, isso está na minha lista de tarefas.
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Ai, gente. A Groselha. Coisa linda com a Vodka.
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Deixa eu voltar antes que eu esqueça. Não que isso já não tenha acontecido. Fui na cozinha e a Vodka falou por mim. Como é que a pessoa se prepara para representar ela mesma no cinema ou teatro? Me referia a Quero Ser John Malcovich. Ele disse que pensa nisso quanto a pessoa que canta, interpreta canções. Não é ela, mas também não deixa de ser. Disse que faria um mestrado pensando nisso. Possivelmente não mais o veja por isso desejo-lhe sorte.
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Voltei. E ontem no concerto, não queria que acabasse. Apesar de não poder sair das poses de pegar na mão e sentar comportado, por que acabar aquilo? Ai que está a obsessão.

Não quero definir muito. Mas não posso deixar de definir alguma coisa. Pelo bem do senso de realidade. (Posso alterar isso.)

A obsessão. Estava ali, no quarto, com um bando de pessoas, um copo e um cigarro ilegal. Não a obsessão, eu. E NINGUÉM ESTÁ AQUI PARA ME VER E TAMBÉM NÃO QUERO QUALQUER PESSOA. Penso em mais coisas, quero elaborar cada frase. É legal, sentir que te reconhecem. Por isso a psicanálise. Para falar de mim e ter a impressão que falo alguma coisa socialmente interessante. Pois é, estava no quarto e gostava das pessoas de lá. Não era eu, era a Vodka. E a Vodka teve uma ideia, mas eu não lembro. Pois é. Estava no quarto. E gostava das pessoas de lá. Quero elas todas no meu quarto, enquanto não estou, e esse é o Cigarro ilegal falando. As pessoas no meu quarto e eu não estou. O Cigarro esqueceu.

Sim! eu queria falar do .... . Posso, por favor, não ser uma pessoa razoável. Vou contar a estória
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Eu nunca fui  e agora só consigo olhar as outras pessoas. Eu preciso de voz. Literalmente. Eu nem mais falo sobre isso.

Nossa, tá bom já. Penso em continuar porque agora acabou a tensão. Sei o que é só não sei porque. E lembrei do que ele disse. Não, ele não disse. Fui eu. Bem, ele disse que não era ele cantando, mas não deixava de ser. Então é isso. Vou ser o que não deixa de ser eu. Mas não eu. (Tenho um livro para ler. O Ambiente e os Processos de Maturação.) Vou conquistar o desejo de ter a voz linda, potente e nunca vou deixar de ser um nada. Mas não como se as duas coisas se anulassem. Porque há um desejo e ele é realizado. É um desejo sensual, sem nunca chegar a ser sexual. Não muda essencialmente nada mas acontece.
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Pronto, estou satisfeita, vou lá interagir. Mesmo com os olhos vermelhos.
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Ps. Vou amar minha mãe-homem e procurar uma fonoaudióloga.