sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Sobre Admirável Mundo Novo

Para começar vou tentar escrever sem pensar muito e enquanto escuto Lô Borges.

Eu li Admirável Mundo Novo de A. Huxley em alguns dias, no mês de outubro de 2015, em PDF. Ele traz elementos de gêneros diferentes de escrita: a princípio, é uma distopia, e por várias vezes me vi comparando-o com 1984, de G. Orwell. Eu acredito que distopias tem uma característica destacável de descrever em detalhes uma sociedade muito semelhante àquela que deu origem ao livro, mas com características extrapoladas, e situá-la no futuro, como uma consequência de modos de ser atuais.

Como costuma-se acontecer em ficções, o enredo diz respeito a vida de algumas personagens. Quando eu tentava responder à pergunta: quem é o personagem principal? não podia respondê-lo plenamente. A princípio parecia-se seguir a história de Bernard, um indivíduo da casta Alfa com características físicas e inclinações diferentes das demais pessoas.

Tem tanta coisa para falar sobre esse livro. Acho que vou devanear. Essa coisa de ter de contar a história antes de explicar porque gostou daquele detalhe.

Estabilidade versus criatividade individual. Não sei o que Huxley estava pensando. Eu tinha a impressão que distopias queriam servir de alertas contra algum exagero, mas tem tantos momentos que não consigo decidir qual era a crítica do autor. Não apenas isso, em alguns pontos me parece razoável que aquela sociedade tivesse chegado a tomar aquelas decisões. Por exemplo, quando comparo a falta de emoções das pessoas em geral com a violência do Selvagem, não consigo decidir o que me incomoda mais. Quando, nos primeiros capítulos são descritos os métodos de condicionamento dos bebês para a posição social que foi-lhes designada, a princípio senti alguma angústia mas depois pensei "eu não ficaria contente em sentir-me adequada a alguma atividade? Não teria valido a pena o condicionamento?". E com relação à sexualidade geral, a crítica é a promiscuidade e ao desapego ou ao fato de independentemente de defender promiscuidade ou reserva sexual, o sistema continua obrigando os indivíduos a comportarem-se de uma única maneira?

No fim das contas, esse livro refere-se ao futuro de uma organização social ou a postura individual dos componentes? Em que esfera se refere a falta de sensibilidade ou a tendência a paixões e violência? E a situação feminina, o fato de não haver personagens femininas com alguma autoridade (autoridade, inclusive, sobre seus corpos) retrata uma falta de consideração do autor pelo feminino ou uma perspicácia em atentar para o fato de que mulheres são vistas como mercadorias, e o admirável mundo novo não deixaria de explorar esse recurso, justamente dizendo que a estagnação estabelecida murcha inclusive a tentativa feminista de retomar o poder sobre seus corpos e suas escolhas pessoais.

Por que não se detecta simetria no texto com relação a postura de homens e mulheres na sexualidade. Por que aparece a frase "ele poderia ter quantas mulheres quisesse" mas não a mesma frase, no feminino. Por que os personagens cujas personalidades e históricos foram descritos são homens mas a personagem feminina Lenina, que aparece destacadamente na narrativa, não é descrita para além de suas vestimentas e hábitos cotidianos?

E com relação a dizer quais línguas foram extintas e quais lugares do planeta passaram por reformas ou permaneceram como antes, pode-se dizer que a escolha foi ofensivamente preconceituosa? Teria-se os mesmos efeitos se trocasse-se aleatoriamente os nomes das nacionalidades e compleição dos indivíduos?

Não deixar de falar sobre a substituição de vocabulário ligado à religião para um que exalte a produção em massa e inovação em detrimento da tradição.

domingo, 4 de outubro de 2015

Como se nubla um dia normal

Hoje eu estou escrevendo depois de essa experiência de chegar perto da fronteira da não-ser-ênsia. Eu gostaria de chegar a sentir que estou alem de mim. Sabe, eu me ocupo muito tempo. Então, nesses dias, me ponho no meu anzol e vejo se consigo me fisgar, sem no entanto deixar me solta à mercê de qualquer coisa que eu não controle. Eu sou uma marinheira novata. Ao mesmo tempo quero deixar gravado o que sinto mas sentir ao mesmo tempo. Ah, sim, a ideia que me trouxe a escrever. Essa vontade perversa, cruel de sentir-se conectada a outra pessoa. Porque, eu nessa minha vida, lá fora, posso dizer-me sortuda. É uma brincadeira, mas eu estava comendo mexerica e doce de banana e pensei, meu, que incrível, eu sou a imperatriz da sala, e no entanto no entanto no entanto, quero tanto ter alguém para quem contar tudo isso, mas é nossa condição de existência, ser indivíduos, e indivíduos seguir lado a lado sem nunca perder a sensação de ser sozinha. É uma grande armadilha essa que nos faz desejar continuar e acreditar que ficaremos juntos. Amanhã acordamos, cada um do seu jeito, para seus cotidianos. Enfim, o que me liga à humanidade?

Passei os últimos talvez cinco minutos entre, comer bananada, tomar decisões muito importantes a cerca da máquina de lavar roupa, lamento a banalidade. Eu fiz xixi e fico pensando em todas essas mínimas coisas que a gente precisa aprender a pensar em como fazer e na necessidade de ter dentro de cada um, um simulacro do mundo para a gente não se perder. Eu, por exemplo, no momento, preciso me apoiar numa música que acaba e outra que acaba, ou fico olhando o relógio de tempos em tempos (por exemplo, passaram 3 minutos), mas a gente nunca presta atenção nessas coisas quando está sóbrio, mas sobreviver nesse mundo conta com muitas sutilezas e minúcias, digo quanto a porquê e como o cérebro funciona (mais dois minutos), mas é um narcisismo louco ficar falando das coisas do instante. Não importa, vou desfrutar esse momento meu.

Ah sim, acabo de ler o título que escolhi. É que ao mesmo tempo que você tem a sensação da minúcia, sempre fica a sensação de que você perdeu alguma coisa. Desculpa, Deus, ou super-ego, por saber pensar tão pouco. Eu escrevo, em parte para me manter a margem e em parte pela vaidade de já ter entrado n'água. Mas a partir desse instante, não tem a ver comigo mais, eu sou apenas uma portadora, uma mensageira, um veículo. Mas eu não trago nenhuma mensagem. Eu devo ficar por aqui porque de quando em quando eu imagino a vizinha velhinha do andar de baixo me olhando e pensando qualquer merda de mim. É por isso que eu continuo escrevendo. Para deixar claro que esse momento de merda (e eu poderia falar assim de qualquer momento da minha vida) é a minha vida e não a dela e que ela pode me deixar em paz e ser bem feliz. Quando eu escrevo eu sinto que vou oscilando entre a alegria e a violência e talvez se parar para ler não dê para saber que trecho é qual. Lá vou eu tirar umas selfies para ver se essa minha cara de espiga de milho mudou alguma coisa. Não, lá está ela. Poderia por na geladeira ou no guarda-roupa, continuava a mesma cara de espiga me perguntando, viver para quê? Você me pergunta isso depois de tudo que eu tive que aprender para chegar aqui na margem. Tudo bem, viver é viver à margem. Não é uma coisa excepcional desse momento ter que decidir qual é o detalhe que fica gravado. Usualmente a gente tem que fazer concessões, ou seja tomar decisões de detalhes para uma coisa, e se eu parar para pensar bem, que coisa é essa? Acho que tanto faz, eu escrevo conforme a música. Quando ela acaba eu também esqueço. Mas vamos com calma, você percebe que esforço monstruoso é esse para manter-se parte de um organismo coeso que é essa coisa que eu penso que existe que é a humanidade? Quando sim, poderíamos apenas deixar de ser, como uma poça d'água que evapora, a gota que cai na poça d'água que evapora. Eu me esforço para me manter do lado eufórico e que vê beleza em tudo, mas porque espero que esse seja o lado que sobrevive, mas seu lado mórbido me seduz. Não invejo sua experiência, eu acho mais seguro ficar desse lado da margem. A maneira que sinto que sei de sua existência é dolorosa. Ao mesmo tempo te vejo como deusa mas ver você como deusa é profano porque é ver apenas a sua fachada. E fui eu que criou essa fachada. Realmente te adorar é deixar você viver em paz, sem que os meus desejos por você te ocultem.

Entende por que do título? Porque estar assim concentrada é profanar um dia normal. Mas após escrever um dois três parágrafos a gente se compromete. É que no começo é a diversão do espontâneo, do orgasmo da potência. Mas alguns parágrafos seguintes você precisa se comprometer. É nessa fase da vida que estou. Num texto pela metade que não será lido por ninguém, pois veja, não é o texto, é a minha vida. Ou bem poderia não ser a minha, e é aí que essa coisa terrível que é essa amálgama massacrante que é a humanidade. Essa besta que me trouxe até onde estou. É a pedra que sustenta e a que esmaga (onde eu já li isso?). Eu me agarro a música e ao texto, que precisa continuar, mas pensando bem, estou me concentrando demais para um domingo. Ela me faz sentir virgem.

É uma coisa completamente diferente conversar com outra pessoa. Eu não sei o como ela se comporta mas eu fico a espreita de que ele está me julgando.

O contato com outra pessoa é assustador, unsettling, desconcertante. Mas desconcertante parece que fala de concerto. Desestabilizante. Quero dizer que eu me sinto muito bem quando não tenho que lidar com outras pessoas. Não só agora, no tempo geral. (É que agora é um momento de pensar sobre isso.) Acho que sou inclinada a ter esse tipo de experiência porque no tempo geral pensar sobre porque eu penso e como costuma me ocupar bastante. Não que eu tenha adquirido sozinha algum conhecimento prático sobre isso. (Mal e mal me aguento.) Mas no fim encontro-me aqui rescrevendo de novo para garantir de novo, que eu (meu ego) existe. Faz horas que me propus a simplesmente ficar quietinha, mas não importa se eu falo ou fico descansando, o verdadeiro terror é ir verificar com outra pessoa, "é assim mesmo?". Eu preciso me tornar uma pessoa religiosa. É solenemente necessário.